segunda-feira, 18 de abril de 2011

Páscoa - Pesach

.
.

Hoje é 18 de Abril de 2011, no calendário gregoriano. Ou seja, 14 de Nisan do ano 5771, no calendário judaico. É véspera de Pesach. O mesmo é dizer, véspera de Páscoa. Mas apenas no calendário judaico.

É a mesma Pesach que começou no Egipto, imediatamente antes da libertação de Israel, e que foi porta-voz da redenção da escravidão de um povo. A mesma que, séculos mais tarde, culminou num lugar chamado Gólgota (Caveira), em Jerusalém – Mateus 27:33, Marcos 15:22, Lucas 23:33 – onde, à luz do sol que já se escondia, ainda se perfilavam no horizonte as silhuetas de três cruzes. A cruz do meio recebeu o corpo de um Homem judeu chamado Yeshua (Jesus), a quem as Escrituras Judaicas até então produzidas (o Antigo Testamento) tinham antecipado sinais que desde há muito O identificavam como HaMashiach (O Messias) que havia de vir ao mundo, desta feita para a redenção da escravidão de um só povo – judeus e gentios (Romanos 1:16, 10:12, Gálatas 3:28, Colossenses 3:11).

Esta noite, pelo mundo fora, milhões e milhões de pessoas vão reunir-se à volta de uma mesa que acolherá não só os símbolos e as memórias daquela primeira Pesach, mas – e por causa das gerações que estarão presentes – também de outras Pesach, e que, por isso, tornarão possível que mais noites como esta se perpetuem. É uma noite de gratidão a Deus pelo passado, e de fé n’Ele para o futuro. Serão repetidos gestos centenários que já se tornaram parte da identidade de um povo, e que, por serem repetidos, se tornaram gestos firmes de uma cultura.

Esta noite, noite de Pesach, a Escola das Memórias vai, uma vez mais, fazer renascer os seus heróis, as suas batalhas, as suas bênçãos e as suas lágrimas. Por uma noite mais, os mais pequeninos irão fazer perguntas aos anciãos, as mesmas que são sempre colocadas e sempre respondidas nesta noite, sempre com o mesmo carinho, ano após ano. Por uma noite mais, todos irão beber o vinho em quatro ocasiões diferentes, agradecendo as bênçãos ou aguardando o cumprimento das promessas que eles representam. Amanhã, é 19 de Abril de 2011, no calendário gregoriano. Ou seja, 15 de Nisan do ano 5771, no calendário judaico.

É Pesach. Baruch HaShem.

Eduardo Fidalgo
.

O Jejum dos primogénitos

.

.

Quando o sol se escondeu, ontem à tarde, dia 17 de Abril de 2011, muitos dos primogénitos de famílias judaicas espalhadas pelo mundo começaram um jejum que se estende por todo o dia de hoje. É um momento nacional, vivido à escala universal. Ou seja, não é apenas uma realidade em Israel, mas em todo o lado onde exista um judeu primogénito disposto a agradecer a Deus pelo livramento operado na décima praga do Egipto, e que antecedeu o Êxodo dos filhos de Jacob.
Há, obviamente, formas de isenção deste jejum. Muitos o fazem, mas são também muitos os que querem manter a tradição. Destes, todos os primogénitos – sendo eles homens que já cumpriram o seu Bar-Mitsvah* – devem jejuar durante o dia que antecede esta noite do Seder. Mas, quando o jovem ainda não chegou aos treze anos de idade necessários para o Bar-Mitzvah, então, o pai, primogénito ou não, jejuará por ele.
* Bar-Mitzvah Significa literalmente “Filho do Mandamento”, e refere-se à cerimónia celebrada pelos rapazes que completam os treze anos de idade, e que estipula o momento em que passam a ser espiritualmente responsáveis pelas suas escolhas e actos. Na verdade, é a sua emancipação espiritual da tutela dos pais.

A noite dos primogénitos
“E aconteceu, à meia-noite, que o SENHOR feriu todos os primogénitos na terra do Egipto, desde o primogénito de Faraó, que se sentava em seu trono, até ao primogénito do cativo que estava no cárcere, e todos os primogénitos dos animais.   E Faraó levantou-se de noite, ele, e todos os seus servos, e todos os egípcios; e havia grande clamor no Egipto, porque não havia casa em que não houvesse um morto.” – Êxodo 12:29-30
É quase meia-noite nesta terra do Egipto. Apesar de ser tão tarde, as ruas não estão totalmente desertas. À vista, nenhum dos filhos de Jacob – há sim, muitos egípcios. Na verdade, famílias inteiras correm de um lado para outro, lavando, limpando, separando, colocando o gado em abrigos mais seguros, tentando salvar do meio da ruína alguns dos seus poucos haveres poupados durante os já muitos castigos infligidos sobre o povo. O gigante chamado Egipto ainda está de pé. Mas as feridas são muitas e profundas. Atingido de morte, a capacidade de reagir já é pouca. Resiste, como grande nação que é. Mas, à mercê de qualquer pequeno abalo que lhe pode ser fatal, tenta que ninguém lhe adivinhe o momento de fraqueza. No entanto, estes homens e mulheres não têm consciência que é muito mais do que um simples abalo aquilo que está prestes a acontecer-lhes.
Falou Deus a Israel como um pai fala a um filho a quem está disposto a defender com tudo o que é necessário. E não só entendemos no texto o sentido dessa protecção, reflexo do carinho que o Senhor nutre pelo Seu povo, como também damos conta de um espírito de justiça que finalmente se faz presente. Como se ao brado da Voz: “Chegou a Hora”, se juntasse também agora o som do shoffar que transformará um grupo de escravos em nação, e a conduzirá rumo à liberdade. O próprio Senhor sairá do Seu lugar e julgará a causa de Israel, povo escolhido, povo querido, a menina dos Seus olhos (Deuteronómio 32: 10; Zacarias 2:8).
Já é meia-noite (11:4), e Deus sai pelo meio do Egipto em defesa desse filho primogénito (4:22), calando a boca de todo aquele que ainda estava disposto a opor-se-lhe (Êxodo 11:5). Nunca ninguém antes viveu nem ouviu contar uma experiência como esta. Por isso, esta noite é uma carta fechada. Dentro das casas, entre os hebreus, a verdadeira fé está à prova. Somente a sua fé – nessa altura ainda não esmiuçada pelos teólogos, mas desde sempre compreendida pelos justos – pode ajudar a vencer estes primeiros momentos de apreensão. Dias antes, a ordem tinha sido passada a cada tribo, a cada família, a cada casa, a cada homem, até todos eles estarem inteirados sobre como agir neste tempo determinado. Estão cientes que nesta noite a morte virá para cobrar e para reinar. A separá-los e a defendê-los dessa certeza, estará apenas o sangue de um cordeiro marcado na porta que dá para o Egipto. Na verdade, só uma fé enorme no Deus que claramente ainda não os desamparou pode descansá-los na eficácia daquele sangue. O cordeiro foi virado e revirado à procura de algum defeito que o desqualificasse. Mãos experientes tinham-no examinado, muitos olhos ansiosos acompanharam esses gestos à procura de qualquer mazela. Há três dias que está separado dos outros, segundo a palavra que Deus deu a Moisés (12:3). Nele, afinal, no cordeiro, repousa o segredo e a força da redenção. Constatada a sua perfeição, um molho de hissopo (12:7, 22-23) ajudou a marcar as ombreiras da porta e a verga com o seu sangue.
Contrariando um estranho silêncio, contrariando aquela acalmia nervosa que a noite tinha trazido consigo, começam-se a ouvir gritos de lamento e dor. Primeiro ao longe, depois mais perto, depois por toda a parte. Aumentam de tom, como se todo o Egipto se lamentasse, como se fosse pai e fosse mãe junto dos filhos que sofrem. A terra treme num esgar de desespero e repulsa. E, nos momentos que se seguem, parece que até o Nilo grita e geme. Finalmente, a morte sentou-se no trono. O Destruidor ceifa livremente na terra do Egipto. Reclamando os seus molhos, a sua colheita, entra nas portas onde tem legitimidade e sai, trazendo consigo as primícias de cada família, tanto de homens como de animais, tanto de ricos como de pobres.
À medida que a noite avança e o clamor aumenta no ar, os hebreus começam a aperceber-se da sua imunidade. Olhares apresados movendo-se no nervosismo da noite confirmam, sem palavras, que estão a ser poupados. E somente estão a ser poupados porque aquele sangue inocente que está do lado de fora da porta, os defende das mãos do Destruidor. Abrigados em casas simples e frágeis, o sangue do cordeiro morto naquela tarde de 14 de Abibe mostra-se, contudo, poderoso para os colocar completamente a salvo da acção da morte (Êxodo 11:23). Os primogénitos podem descansar. Nada lhes sucederá.

Eduardo Fidalgo

quinta-feira, 31 de março de 2011

Sem Perdão

.
.
Palácio de S. Bento. Assembleia da República. Corria o ano de 1992 e tinha lugar a Reunião Plenária de 31 de Março. Já se passaram 19 anos. Aliás, completam-se hoje. Nessa reunião, era suposto darem-se alguns passos no sentido de serem feitas as pazes com umas quantas páginas negras da nossa História, de se aquietarem as suas memórias e de as fazer descansar para sempre. Mas foi um dia em que o perdão ficou à porta. O que representava esse dia?
Esse dia representava uma dupla efeméride de dois outros 31 de Março. A primeira, relativa a 1492, e que teve um peso enorme na História de Portugal e de Espanha. Exactamente 500 anos antes, foi o início da perseguição na Península Ibérica aos judeus. Efectivamente, foi naquele dia que Isabel, a Católica, assinou a expulsão de todos os judeus dos territórios controlados pela coroa espanhola. Quatro anos mais tarde foi a vez de os portugueses imitarem os vizinhos, num episódio com trama e conspiração palacianas, com cheiro a noivado e coroa real, o mesmo é dizer, a mulheres e poder para governar. A segunda efeméride dizia-nos exclusivamente respeito a nós, portugueses: cumpriam-se nesse dia 171 anos exactos sobre a Extinção da Inquisição. Estavam, pois, presentes, todos os ingredientes para se poder voltar mais uma página dos nossos deveres éticos e morais pendentes.
Aliás, nesse mesmo dia de 1992 em que o Parlamento português reuniu, também teve lugar, nas Cortes Espanholas, uma sessão solene que lembrava o início das hostilidades contra os judeus. Nuestros hermanos entenderam a importância desse momento da sua História. E, em Portugal, a lógica dizia que se deveria aproveitar a sua força para se tentar dar uma expressão digna a esta forma de dizer “Perdão!”. Assim, um dos partidos com representação na Assembleia da República propôs a aprovação pelo hemiciclo do Voto n.º 16/VI, de “Condenação pelas discriminações feitas pela Inquisição”.
Ao lermos o texto que consubstanciava aquele documento, iremos encontrar registo de factos e exposição de intenções. Factos que a História confirma, e boas intenções para quem nunca é tarde para dizer “Mea culpa!”. Mas, vejamos o teor do documento sujeito a votação nesse dia:

Voto n.º 16/VI
Condena as discriminações feitas pela Inquisição
Decorre este ano o V Centenário do Início da Expulsão dos Judeus da Península Ibérica.
Foi, com efeito, a 31 de Março de 1492 que Isabel, a Católica, assinou o decreto que baniu da permanência em Espanha os membros daquela comunidade.
Em Portugal, D. Manuel I viria a assinar em Muge, a 5 de Dezembro de 1496, diploma de idêntico teor.
A expulsão dos Judeus e dos Mouros, as conversões forçadas e demais perseguições que lhes foram movidas inserem-se numa das piores tradições políticas da história europeia e nacional, que, aliás, em Portugal, foram, depois, expressamente reparadas pelas Cortes, a 17 de Fevereiro de 1821, renovando, confirmando e pondo em prática antigos direitos que, por tradição, usufruíam no País.
Nestes termos, por ocasião do V Centenário da Expulsão dos Judeus da Península Ibérica, a Assembleia da República, expressão legítima da vontade nacional e intérprete dos valores constitucionais que hoje inspiram o nosso país e que afastam qualquer arbitrariedade racial ou religiosa, condena as discriminações feitas pela Inquisição e confirma solenemente que o referido decreto de D. Manuel I e toda a legislação conexa estão inequívoca e definitivamente revogados da ordem jurídica portuguesa. (a ênfase é minha)

Porém, tudo não passou de uma jornada de boas intenções. Foi com um forte sabor a obscenidade que ficámos a saber que o voto não foi aprovado, tendo sido rejeitado pela maioria dos deputados. Com efeito, com o peso de um epitáfio, tudo o que ficará para a nossa História democrática recente serão sempre estas palavras:
“Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e a abstenção de Os Verdes.”

Não consigo deixar de pensar neste elevado momento da democracia como um dos exemplos mais representativos, mas escondido – para nossa vergonha – no “baú dos nossos  tesourinhos deprimentes”.
O que define um homem? O que define um parlamentar? É voz comum ouvir-se dizer que para um político o que é verdade hoje não o será amanhã. Mas qual a escala de valores e quais as prioridades pelas quais ele responde, e que aplica na sua vida, de forma a que os seus actos surjam à luz do dia como acções dignas de um ser humano completo? Será que ele age em primeiro lugar como Homem ou como político? Como um ser moral ou como empregado (descartável) de um partido? O que é certo é que a arte de esgrimir com as palavras pode levar qualquer homem a tomar posições tão ridículas quanto irreconciliadas, consigo mesmo, e com o mundo. A esse respeito, Mahatma Gandhi escreveu:
“Um homem não pode fazer o correcto numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado noutra. A vida é um todo indivisível.”

A Bíblia vai mais longe, ao dizer:
“Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal! Que fazem da escuridade luz, e da luz, escuridade, e fazem do amargo doce, e do doce, amargo!” – Isaías 5:20

Não resisto a transcrever apenas um pouquinho dos argumentos (?) que foram apresentados contra a aprovação do documento:
“… o que este voto pede à Câmara é, nem mais nem menos - e convém lembrar o texto, para não estarmos a falar em abstracto -, que a Assembleia da República «condene as discriminações feitas pela Inquisição e confirme solenemente que o referido decreto de D. Manuel I e toda a legislação conexa estão inequívoca e definitivamente revogados da ordem jurídica portuguesa». Consideramos que a apresentação de votos desta matéria desprestigia esta Assembleia, por razões muito simples.
…/…
“Sr. Presidente, nós nem queríamos acreditar no que líamos, quando recebemos este voto, pois ele não só tem implícita uma noção completamente reducionista da nossa história como tem uma noção ainda mais grave de que herdamos uma espécie de culpa colectiva pelos actos dos nossos antepassados em função de uma determinada interpretação, essa sim, minoritária e reducionista da história, que, evidentemente, é inaceitável.”
…/…
Mas não é sério querer pôr esta Assembleia a aprovar votos de condenação da Inquisição, votos de condenação de legislação do século XVI e daqui a pouco até dos séculos XV, XIV, XVII ou XVIII. Há muitas coisas que, do nosso ponto de vista, são inaceitáveis. Mas o ponto de vista contemporâneo é para aquilo que é inaceitável aos olhos de hoje. Ora bem, querer fazer este tipo de revisão da história não é grande política e é péssima história.  (a ênfase é minha)

Sem comentários. A 31 de Março de 1992, Portugal perdeu, mais uma vez, uma boa oportunidade para dizer “Perdão!”. E sobre este assunto, quem sabe, se a última oportunidade. Foi mais fácil a fuga em frente, e bastante mais conveniente. Sem perdão!
Eduardo Fidalgo


Não houve qualquer interesse em ligar argumentos a pessoas ou partidos específicos. Por isso, se omitiram nomes e denominações, salvo na transcrição do resultado da votação, de carácter factual.
Para os que desejem ler na íntegra a discussão que antecedeu esta votação:
http://debates.parlamento.pt/?pid=r3  > Assembleia da República (1.ª série)  > Índice de Diários  >  VI Legislatura (1991-1995) – 1.ª Sessão Legislativa  >  Diário N.º 46  >  Páginas 1454 a 1458


Extinção da Inquisição em Portugal

.
.

Completam-se HOJE 190 anos sobre a Extinção da Inquisição em Portugal.
Contas feitas, em terra lusa, a Inquisição espalhou suspeitas, terror e morte por uns longos 285 anos. Praticamente quatro séculos. O documento que extingiu aquele tribunal de má memória no nosso país foi aprovado nas Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, no Palácio das Necessidades, a 31 de Março de 1821.
A apresentação do Decreto motivou diálogos curiosos, uma pequena parte dos quais aqui reproduzimos, assim como o próprio Decreto. Tanto o texto da discussão nas Cortes como a redacção do Decreto são transcritos com a grafia da época, servindo assim para nos conduzir pelos caminhos de outras revisões ortográficas.
Eduardo Fidalgo
Foto: Wikimedia Commons


O senhor Freire leo o Decreto para abolição da Inquisição. Discutio-se ácerca do preambulo, e disse:
O senhor Pimentel Maldonado. Não foi por tal motivo que o Congresso decretou unanimemente a abolição da Inquisição. Foi a injustiça abominavel de similhante instituição, que nos obrigou a isto. Bem claramente se discutio, e ponderando-se o assumpto por mui diversos modos, bem que todos concordes na extincção deste Tribunal, não houve hum só Deputado que se lembrasse de tal fundamento. Que vem a dizer multiplicidade de Tribunaes, á vista de tamanhas rasões quaes forão as que se expendêrão neste lugar? A Commissão Ecclesiastica devia cingir, se a ellas. Voto pois, que torne o Decreto a organizar-se, e que se fundamento no verdadeiro motivo da nossa decisão. Foi, o torno a dizer, a injustiça abominavel da instituição, e não a multiplicidade de Tribunaes.
O senhor Fernandes Thomaz. Não se declare antes rasão nenhuma: essa he offensiva ao decoro, e luzes do Seculo e sentimentos desta Assemblea. Seria ridiculo que no Mundo se dissesse, que se tinha extinguido a Inquisição porque não se podia sustentar, extingue-se porque não deve existir n'hum Paiz em que ha homens livres.
O senhor Vaz Velho. Senhor Presidente, creio que, apesar de alguns dos Membros deste Augusto Congresso terem clamado, que ninguem deve mais fallar sobre a materia subjeita, com tudo, como este clamor não he o voto da Assemblea, eu tenho a faculdade de poder expor a minha, opinião. Este Decreto, senhores, de que estamos tratando, sobre a extincção da Inquisição he hum Diploma, que sendo posterior ás Bases da Constituição, elle não póde desviar-se dos principios nellas adoptados. Nós estabelecemos nas Bases da Constituição principios de liberdade que são incompativeis em o dicto Tribunal, logo que cousa mais natural, do que dizer-se no Preambulo do Decreto, que se extingue aquelle Tribunal e Inquisições, por ser contrarias aos principies liberaes adoptados e estabelecidos nas Bases da Constituição? Isto he mais proprio, e menos vago, do que dizer-se, que he contrario ao systema constitucional. Este he o meu voto.
O senhor Borges Carneiro. Votou que no preambulo se dessem estas rasões - Por ser contraria á rasão Natural, á Doutrina do Evangelho, e ao systema Constitucional.
O senhor Maldonado apoyou o senhor Borges Carneiro.
Hum dos senhores Deputados disso que se devia omittir o ser contraria á Doutrina do Evangelho.
O senhor Borges Carneiro Mostrou que com effeito o era, que a Igreja não tinha approvado similhante estabelecimento; que elle da obra do Despotismo dos Papas combinados com os Jesuitas, e com os Aulicos.
O senhor Arcebispo da Bahia. Conciliou estas differentes opiniões, julgando que bastaria dizer-se no preambulo, que se extinguia a inquisição, por não ser compativel com o estado Constitucional.
Proseguio a discussão, e ultimamente ficou approvado o Decreto com declaração de que no preambulo sómente se dissesse -- que a sua Existencia era contraria ao systema Constitucional, e que assim se expedisse.



DIÁRIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.
NUM. 47
SESSÃO DO DIA 31 DE MARÇO DE 1821
(O documento é reproduzido com a grafia da época)
DECRETO.
As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza, Considerando que a existencia do Tribunal da Inquisição he incompativel com os principios adoptados nas Bases da Constituição, Decretão o seguinte:
1.°  O Concelho Geral ao Santo Officio, as Inquisições, os Juisos do Fisco, e todas as suas dependencias, ficão abolidos no Reyno de Portugal. O conhecimento dos Processos pendentes, e que de futuro se formarem sobre causas espirituaes, e meramente ecclesiasticas, he restituido á Juriadicção Episcopal. O de outras quaesquer causas de que conhecião o referido Tribunal, e Inquisições, fica pertencendo aos Ministros Seculares, como o de outros crimes ordinarios, para serem decididos na conformidade das Leys existentes.
2.°  Todos os Regimentos, Leys, e Ordens relativas á existencia do referido Tribunal, e Inquisições, ficão revogadas, e de nenhum effeito.
3.°  Os bens, e rendimentos, que pertencião aos dictos estabelecimentos, de qualquer natureza que sejão, e por qualquer titulo que fossem adquiridos, sejão provisoriamente administrados pelo Thesouro Nacional, assim como os outras rendimentos publicos.
4.º  Todos os Livros, e tudo Manuscriptos, Processos findos e tudo o mais que existir nos Cartorios do mencionado Tribunal, e Inquisções, serão remettidos á Bibliotheca Publica de Lisboa, para serem conservados em cautela na Repartição dos Manuscriptos, e inventariados.
5.°  Por outro Decreto, é depois de tomadas as necessarias informações, serão designados os ordenados que ficarão percebendo os Empregados que servirão no dicto Tribunal, e Inquisições.
A Regencia do Reyno assim o lenha entendido, e faça executar. Paço das Cortes 31 de Março de 1821.Hermano José Braancamp do Sobral, PresidenteAgostinho José Freire, Deputado SecretarioJoão Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.
.


.
.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Atentados de 11 de Março de 2004 em Madrid

.
Completam-se hoje 7 anos sobre os ataques terroristas da Al Qaeda na capital espanhola, que mataram quase duas centenas de pessoas, e deixaram feridas quase dois milhares. Esta é a efeméride que BEIT ISRAEL traz à memória de todos, porque ela pertence ao tipo de acontecimentos que a sociedade não pode esquecer.

Não esquecermos, para que ela não se repita. Nunca esquecermos a violência gratuita e sem sentido, mas, muito mais do que isso, nunca nos alhearmos do que está realmente por detrás dos acontecimentos. Não esquecer as muitas tragédias que nos sobrevieram e as que poderão vir ao mundo perpetradas em nome da “fé”. Não de uma fé genuína, mas daquele tipo de “fé” que é capaz de tirar a vida ao próximo, a “fé” que comete barbaridades como a que aqui é hoje lembrada.

Todavia, nos dias de hoje, nenhuma “fé” – falando das mais representativas em número de fiéis – tem o direito de se achar depositária da moral dos homens, ou pregá-la do alto de uma superioridade que soaria sempre a falso. Ao identificarmos a “fé”, ou melhor, todas as “fés” que no passado ou recentemente encontraram razões e argumentos para matar o próximo em nome do seu “deus”, não é possível isentar nenhuma. Até poderei, do meu ponto de vista, ter em grande conta a minha própria religião, mas a “religião”, apenas e só por si, é um engano grave e uma armadilha ardilosa. Se o alvo da “religião” é ligar o homem a deus, na esmagadora maioria das vezes o propósito nunca é atingido.

Ainda sou dos que fui ensinado nos bancos da escola primária que as Cruzadas foram uma campanha gloriosa da cristandade, com o objectivo de libertar a Terra Santa do domínio do "infiel". E, quando, finalmente cresci o suficiente para querer saber “quem é o infiel?”, e me obriguei a mergulhar nos compêndios de História Universal, percebi que “o infiel” eram os muçulmanos e os judeus que habitavam em Constantinopla ou na Terra Santa. Sempre em perseguição da História, foi com surpresa que vim a ter consciência que aqueles cavaleiros cristãos, uma vez conquistado o seu objectivo, fecharam aqueles "infieis" dentro de mesquitas e sinagogas, aos milhares, bem na intimidade do seu próprio deus, mas apenas com objectivo de serem queimados pelas chamas obedientes dos servos de outra “religião”. Obviamente, foi tudo executado com muito zelo cristão (?). Em Jerusalém, por exemplo, esse zelo, traduzido em matança, foi de tal ordem que passados muitos meses após a conquista, ainda havia corpos nas ruas da cidade de David a aguardar sepultura.

Poderia facilmente apelar a outras “epopeias do cristianismo”. Acaso temos orgulho na forma como a pregação do evangelho foi feita entre os índios do Brasil? Ou de como em Lisboa a Inquisição se passeou pelo Rossio e pela Praça do Comércio? Acaso deveremos ter orgulho em tantos e tantos episódios da História europeia, em que ser cristão foi apenas sinónimo de ter o poder e a força para ser a única religião a dar as cartas?

Como disse, podia multiplicar os exemplos. Mas, como afirmei também, todas as religiões, sem excepção, têm as suas “epopeias vergonhosas”. No entanto, melhor do que enumerar erros no colectivo, será mais importante olharmos para dentro de cada um de nós, e, em honestidade com o nossa própria consciência, perguntarmo-nos: “Após ter bebido das doutrinas do meu deus e da minha excelente “religião”, até onde é que eu mesmo estaria disposto a ir, se fosse posto perante circunstâncias semelhantes”?

Que imagem é que o meu deus reflecte no mundo, sendo que eu sou um dos espelhos da sua luz? Saber responder é fundamental, uma vez que o mundo gira e avança influenciado pelo efeito que o meu deus tem em mim, e da influência que eu tenho no mundo. E o mundo…, diga-se, não é apenas esta bola imensa no Universo, mas é o meu país, é a minha cidade, o meu bairro, o meu prédio, é a minha família.

De forma regular, continuamos a assistir à tentativa de aniquilação do “infiel”. Para os Cruzados, o “infiel” era muçulmano e judeu. Mas em Espanha, há 7 anos atrás, o “infiel”era cristão. O que será e quem será no ano que vem? A consciência que precisamos ter de que estes conceitos têm e sempre tiveram um carácter volátil, é muito importante para entendermos que o que distingue o “infiel” de hoje e o “infiel” de ontem é apenas o facto de a “infidelidade” não morar sempre no mesmo templo.

Então, concluimos que as trincheiras podem ser diferentes, mas a dor e a destruição serão sempre iguais. E a sua origem pode estar dentro de cada um de nós, na pureza da nossa “religião” e bem mascarada de zelo “santo”. Instala-se quando o homem pensa que o seu deus está a revelar-lhe mistérios – e não está – ou quando unilateralmente faz alguma coisa pelo seu deus, que afinal ele nunca pediu.

Ainda que fora do contexto que o interpreta, quero citar um texto bíblico, porque, apesar de descontextualizado, tem um princípio que é sempre correcto: “Não por força, nem por violência, …” Zacarias 4:6
Terei sempre de ser cauteloso com o meu zelo. Porque a minha “religião”necessita de ser cuidada! Porque, afinal, todos somos “infiéis”.


Eduardo Fidalgo

Nota: Apenas com a finalidade de ser coerente com a mensagem aqui expressa, a decisão de não escrever determinadas palavras-chave com maiúscula, nomeadamente a palavra “deus”, é consciente. Também não é o objectivo do artigo identificar o deus verdadeiro e o deus falso, mas apenas por em destaque as motivações e os propósitos do coração do homem.

.
.
Placa comemorativa da tragédia do 11.03.2004

Atentados de 11 de Março de 2004 em Madrid

Os atentados de quinta-feira, 11 de Março de 2004, também conhecidos como 11-M, foram uma série de ataques terroristas cometidos em quatro comboios da rede ferroviária de Madrid, capital da Espanha. A investigação policial e o auto do processo judicial fixaram como indício racional que a autoria dos atentados é de uma célula islamista local que tentava reproduzir as acções da rede terrorista Al Qaeda.
Trata-se do mais grave atentado cometido em Espanha até à actualidade, com 10 explosões quase simultâneas em quatro comboios na hora de pico da manhã (8:00). Mais tarde foram detonadas pela polícia duas bombas adicionais que não tinham explodido e foi desactivada uma terceira, que permitiu identificar os responsáveis. As bombas estavam no interior de mochilas carregadas com TNT (trinitrotolueno).
Morreram 191 pessoas e mais de 1.700 ficaram feridas. O comando terrorista foi encontrado e cercado pela polícia espanhola poucas semanas depois em Leganés. Os seus membros cometeram suicídio fazendo explodir o apartamento em que se tinham entrincheirado, quando os GEO iniciaram o assalto. Nesta acção morreram todos os membros presentes da célula islamista e um agente do grupo policial.

In Wikipédia

A peça pode ser lida na íntegra em http://pt.wikipedia.org/wiki/Atentados_de_11_de_mar%C3%A7o_de_2004_em_Madrid

Composição Gráfica: Eduardo Fidalgo
Foto "Cruzadas": Histoblog - História Geral
Foto "Placa Comemorativa": Wikimedia Commons






.



terça-feira, 8 de março de 2011

Kadafi – Ele diz que é o Rei dos reis

.

Ao escrever o Apocalipse na Ilha de Patmos, e ao referir-se à Pessoa de Jesus, o apóstolo João fugiu à característica natural do livro do Apocalipse – os símbolos – e optou por usar uma terminologia extremamente clara, sem qualquer espécie de véu. Aqui não há códigos, porque todos os leitores da Bíblia sabem que o Cordeiro a que João se refere, é Jesus.
“Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com ele, chamados, eleitos e fiéis.” (Apocalipse 17:14)

Esta passagem bíblica vive muito à custa da imagem expressa por determinados títulos de Honra, designando o Messias como “Senhor dos senhores” e “Rei dos reis”. Ora, “Senhor dos senhores” e “Rei dos reis” são títulos de uma grandeza nobiliária tão grande, e de tal dimensão cósmica, que reproduzi-los em proveito próprio seria sempre uma tarefa anátema.
Para o cristão, eles serão sempre evitados por um pudor que reflecte temor a Deus. Para os não-cristãos, evitá-los será apenas uma questão de bom senso. No entanto, tanto para uns como para outros, o decoro e humildade não ficarão alheios à decisão.

Por isso, é muito possível que a notícia que quero compartilhar hoje seja a mais adequada para uma terça-feira de Carnaval. Isso, porque ela me faz rir por duas vezes. Em primeiro lugar, tenho de rir porque ao conhecer o teor da história, nada mais me resta fazer – rir é o melhor remédio. Em segundo lugar, sou obrigado a rir para não ter de chorar, porque a pobreza de espírito do senhor Muammar Kadafi está patente nesta novela de uma ponta à outra.

Disse antes que existem sempre razões para que alguém não ouse aplicar a si mesmo determinados títulos que o adjectivem indevidamente. Pois bem, desenganemo-nos. Porque, se é certo que a esmagadora maioria dos mortais não expresse atracção por estas “megalomanias esquizofrénicas”, há, todavia, quem não resista à tentação. E é aqui que entra o Coronel Muammar Kadafi, o actual e ainda líder da Líbia. Toda a gente sabe que Kadafi não é cristão, e que, por isso, ele está livre de se pautar pela valoração que os cristãos atribuem àqueles títulos de referência do Messias. E é por isso que me sinto obrigado a observar o ridículo das suas afirmações apenas como homem, e não como homem de fé.

A situação que vou relatar aconteceu num palco diplomático, com a cobertura intensa dos meios de comunicação social. No entanto, esse factor não o impediu de tecer declarações bombásticas, nem a presença jornalística foi suficiente para que o ruído fosse escutado, e que os sinais que ressaltaram da mente desequilibrada e perigosa de Kadafi fossem bem avaliados. A situação foi vista como mais uma tirada de um homem polémico. O mundo não prestou a devida atenção, talvez porque os factos não ocorreram em ocasião propícia a serem devidamente avaliados.

No entanto, hoje, em plena guerra civil, um par de anos após aqueles acontecimentos veio trazer-lhe luz suficiente. Nos dias que correm, a guerra do povo Líbio contra o poder de Kadafi facilitou-nos essa capacidade de aquilatar a aberração que esta personagem representa, tudo o que ela produz, sejam palavras, sejam actos. Talvez seja um líder com os dias contados, não sabemos. Neste momento, os desenvolvimentos da situação na Líbia não nos deixam fazer conjecturas, e ir mais além. Mas, enquanto estiver no poder, podemos estar certos de que vai banhar em sangue aquela ousadia popular que se atreveu a desafiá-lo.

Vamos então à história. Tudo aconteceu a 30 de Março de 2009, em Doha, no Qatar, mais propriamente numa Cimeira Internacional de nações árabes. Estava a usar da palavra o rei da Arábia Saudita, quando, a certa altura, percebeu-se que o Coronel Muammar Kadafi – então o Presidente da União Africana – mostrou a sua indignação perante as afirmações produzidas. Da indignação passou à acção, e, apoderando-se do microfone, interrompeu a intervenção do seu congénere para lhe chamar “mentiroso”, com todas as letras, e na presença de toda aquela nata diplomática. Pior ainda, quando os anfitriões do Qatar tentaram acalmá-lo, as razões para a fúria indignada do ditador foram publicamente expostas. E eis então que surge esta declaração lapidar:
“Sou um líder internacional, o decano dos governantes árabes, o Rei dos reis da África, o Íman (líder) dos muçulmanos, e o meu estatuto internacional não me permite descer a um nível inferior.”

Dito isto, levantou-se e abandonou a sala. Após o incidente, um representante Líbio informou que Kadafi aproveitou a ausência na Cimeira para ir visitar um Museu Islâmico.

Truculento, provocador, mal-educado, violento, maldisposto, polémico, a figura e personalidade de Muammar Kadafi parece reunir apenas a unanimidade em torno de si num único aspecto: é uma pedra no sapato, tanto para democracias como para ditaduras.

Como se percebe nas notícias que mostram a revolta dos Líbios, o seu próprio povo está longe de o reconhecer como “rei” ou como “Rei dos reis”. Na verdade, não creio que exista alguém neste mundo, a não ser o próprio, que veja o Coronel Muammar Kadafi como uma referência mundial para algo de construtivo. Apetece-me dizer, à luz de uma história antiga, que “o rei vai nu!” Pessoalmente, espero para entender como é que esta revolução vai acabar, apenas para ver a forma como este “rei” mostra a sua dignidade real. Uma dúvida, contudo, irá permanecer sempre no meu espírito, e isso tem a ver com as razões que levaram àquelas reais declarações: terá sido por convicção, por vaidade pessoal, por despeito pelos outros, ou apenas por estupidez?
Eduardo Fidalgo

Composição Gráfica: Eduardo Fidalgo
Fonte da notícia: MailOnLine
Foto de Kadafi: Reuters









sábado, 5 de março de 2011

A Aliyah Final - III Parte

.

Nos dois últimos artigos passamos em revista o caminho em que Deus colocou Israel, face aos comportamentos desviantes que o povo adoptou. Beneficiar com intensidade da Mão protectora que já se tinha uma vez levantado em seu favor no Egipto, dependeu sempre e apenas deles. A escolha inteligente teria sido a via da obediência e fidelidade, mas não foi isso que aconteceu.
Não foi, pois, uma aposta ganha. A Bíblia mostra-nos que as duas casas – a de Israel e a de Judá – acabaram por ser gravemente prejudicadas pela sua inconstância, que levou à disciplina de Deus há muito anunciada. Se o Reino de Israel pura e simplesmente foi dissolvido entre as nações (II Reis 17), o de Judá experimentou o exílio (Jeremias 25:11-12). E no final do tratamento de Deus, quando a hora de liberdade soou, muitos não voltaram à terra de origem: uns ficaram ali mesmo, na Babilónia, outros foram mais além, e tentaram a sorte noutras paragens.

No entanto, por mais séculos que se passassem, Eretz Israel nunca foi esquecido, e as perseguições sofridas por onde quer que se estabelecessem potenciaram as saudades da sua terra. Daí que os movimentos de retorno são contínuos, movimentos que se intensificaram quando a ex-nação milenar se tornou novamente num país independente por direito próprio, criado, reconhecido e aprovado por decisão das Nações Unidas, no ano de 1948.

Tal como expusemos antes, seria ingenuidade nossa interpretar este fluxo e refluxo populacional como acasos ou tendências que a História motivou ou favoreceu: Será mais realista entendermos que desde sempre Deus velou por estes acontecimentos, e acompanhá-los-á até ao final que idealizou, por amor ao Seu Nome, mas também por amor a Israel.

Não temas, pois, porque eu sou contigo; trarei a tua descendência desde o Oriente, e te ajuntarei desde o Ocidente. Direi ao Norte: dá; Ao Sul: não retenhas: trazei meus filhos de longe, e minhas filhas das extremidades da terra. (Isaías 43:5-6).

A Lei do Retorno
Em 1948, a Declaração de Independência já espelhava a abertura do Estado de Israel para a imigração judaica, para o regresso dos exilados. No entanto, cerca de dois anos após essa data, exactamente a 5 de Julho de 1950, aquela abertura foi reforçada com contornos legais, quando o Knesset promulgou a “Lei do Retorno”, assinada pelo então Primeiro-Ministro David ben Gurion. Ela determina que “Todo o Judeu tem o direito de vir a este país como um oleh”. O termo “oleh” significa “um Judeu que imigra para Israel”. A Lei do Retorno estipula, pois, o direito de todo aquele que é judeu e a viver no “exílio”, a estabelecer-se em Israel e a tornar-se cidadão israelita.

Esta convergência de visões envolvendo o retorno – a concordância da visão de Deus e a dos homens – mostra quão importante e sensível é este assunto: aprovado pelo céu e pela terra, parece desenvolver-se perante os nossos olhos como uma força imparável, como um movimento que avança sem que haja oposição digna desse nome que se lhe atravesse no caminho.

Uma questão – uma questão crucial – emerge, contudo, deste cenário profético tornado realidade. É dirigida apenas àqueles que se preocupam com Israel, àqueles que amam a nação e o povo de Israel: O que é possível fazer, a fim de tornar o Retorno um processo mais agilizado? Em que área ou áreas é possível ajudar? Estarão os gentios amigos de Israel proibidos de prestar qualquer tipo de apoio, ou haverá tarefas que poderão ser desenvolvidas por eles?

A nossa responsabilidade no Retorno
A resposta a essas questões é-nos dada tanto pela História como pela própria Bíblia. Vejamos como. A História revela-nos cinco grandes Aliyah’s do povo judeu na Diáspora, e que tiveram lugar entre os anos de 1882 e 1939. O número de imigrados durante esses cinco grandes movimentos foi superior a 192.000, vindos de lugares como a Rússia, Roménia, Alemanha, Iémen do Sul ou Polónia. Mas houve outras operações de imigração, que tiveram lugar após a Independência, mais propriamente entre os anos de 1949 e 1991. Estas adoptaram nomes próprios, nomes de código, e envolveram o transporte de mais de 200.000 pessoas, vindas do Iraque, Iémen e Etiópia. Foram chamadas pelos nomes de “Operação Tapete Mágico”, “Operação Esdras e Neemias”, “Operação Mosheh” e “Operação Shlomo”.
Na verdade, foram milagres que os profetas tinham antecipado, como fez Jeremias, referindo-se então a dias vindouros, que são hoje:

“Portanto, eis que dias vêm, diz o Senhor, em que não se dirá mais: vive o Senhor, que fez subir os filhos de Israel da terra do Egipto: Mas sim: vive o Senhor, que fez subir os filhos de Israel da terra do Norte e de todas as terras para onde os tinha lançado; porque eu os farei voltar à sua terra, que dei a seus pais”. (Jeremias 16:14-16).

Nestas quatro mega-operações de transporte, foram utilizados largos meios aéreos, que se traduziram em centenas de voos. Este facto, segundo alguns intérpretes da Bíblia – que vêem nas palavras do profeta a referência ao avião – apenas prova o que o profeta Isaías tinha predito especificamente há cerca de dois mil e setecentos anos:

"Quem são estes que vêm voando como nuvens e como pombas para as suas janelas?" (Isaías 60:8)

Em todo o processo de restauração do povo judeu à sua terra, há que referir que têm sido os esforços diplomáticos dos sucessivos governos de Israel, a visão de organizações internacionais de índole cristã-evangélica, assim como o empenho de cidadãos amigos de Israel em todo o mundo – judeus e gentios – que têm materializado a voz dos que falaram no passado, da parte de Deus, acerca do retorno. Na verdade, muitos gentios se têm junto a esta causa, abraçando-a e envolvendo-se nela, porque o Senhor mesmo deu esse incentivo:

“Assim diz o SENHOR: Eis que levantarei a mão para as nações e, ante os povos, arvorarei a minha bandeira; então, trarão os teus filhos nos braços, e as tuas filhas serão levadas sobre os ombros." (Isaías 49:22).

Judeus e gentios devem ter a visão de um Israel restaurado e empenhar-se nessa restauração. Animamos os amigos de Israel a contribuir financeiramente com esse propósito, que tem ainda um enorme caminho a percorrer. Há organizações credíveis e bem articuladas com as entidades específicas em Israel, que acolherão com agrado as contribuições financeiras de todos os que quiserem fazer parte deste projecto de Deus.

Também é nossa responsabilidade elevar as nossas vozes a Deus, no sentido de rogar pelo povo de Israel e pelo seu regresso a casa. Deus ouvirá. A Bíblia é clara no sentido de nos mostrar um Deus sensível aos apelos em favor de Israel:

“Tenho posto vigias sobre os teus muros, ó Jerusalém; eles não se calarão jamais em todo o dia nem em toda a noite: não descanseis vós os que fazeis lembrar a Jeová, e não lhe deis a ele descanso, até que estabeleça, e até que ponha a Jerusalém por objecto de louvor na terra. (Isaías 62:6-7).

Um dia, a restauração plena de Israel será um facto. O povo judeu apenas pode esperar em Deus para que ela venha a ser uma realidade. Por sua vez, Deus conta com os amigos de Israel para ajudar a dar-lhe vida. Por isso, tomar parte nesse projecto é um privilégio a não perder.
Eduardo Fidalgo



sábado, 26 de fevereiro de 2011

A última Aliyah - II Parte

.

Na primeira parte deste artigo, com o título “Os dois irmãos – A Diáspora e o Retorno” fizemos alusão ao plano de Deus respeitante à restauração plena do povo de Israel, e que se reveste de três aspectos principais – a restauração da nação, a restauração do povo à sua própria terra, e, por fim, a sua restauração espiritual, durante a qual Jesus será finalmente reconhecido como o Messias (Zacarias 12:10). O facto de os judeus terem sido espalhados pelos quatro cantos do mundo, naquilo que é conhecido como Diáspora, prepara o cenário para que a segunda fase desse projecto divino tenha lugar: o Retorno. Por isso se dizia no final do artigo anterior: “Há ainda muito caminho para trilhar. Como tal, desengane-se quem pensa que as palavras da chamada de Deus a Abraão se esgotaram nele e nos seus descendentes mais chegados. Nos dias exactos em que vivemos, elas fazem-se ouvir novamente, mais válidas que nunca: ‘Sai-te da tua terra …’ Passados todos estes anos, tornam a fazer sentido, e não apenas na Mesopotâmia, como outrora, mas por todo o mundo onde quer que haja um descendente do Patriarca Abraão – um judeu. É a última Aliyah.
Vejamos, pois, de forma muito sucinta, quais os fundamentos que conduzem a esse regresso, e os sinais que espelham a iminência do seu cumprimento.

Poder-se-ia fazer nascer uma terra em um só dia…?
Quem jamais ouviu tal coisa? Quem viu coisas semelhantes? Poder-se-ia fazer nascer uma terra em um só dia? Nasceria uma nação de uma só vez? Mas Sião esteve de parto e já deu à luz seus filhos. (Isaías 66:11).

Em 1948, Israel voltou a ser um país independente, exactamente no mesmo território outrora dado a Abraão. Aquilo que parecia impossível para um povo depauperado pela catástrofe do Holocausto aconteceu. Também Jerusalém, a cidade do rei David, é, desde 1967, chão sagrado de Israel, e a sua capital eterna. E se esses são, por ora, os aspectos mais significativos do renascimento final de Israel, é certo que ao contrário do que parece, não são coisa de pouca monta. O renovo da nação, a posse do território, a soberania sobre Jerusalém, o orgulho de ser povo – com História, terra, língua, bandeira e Hino – são ingredientes que fazem recrudescer o sonho do regresso, e lhe conferem um maior sentido. Por isso, a expressão “Para o ano, em Jerusalém!” saiu da esfera do sonho para a da possibilidade.
Eretz Israel é um apelo irresistível, um chamamento a que nenhum judeu pode ficar indiferente. E embora o Sionismo apoie esse conceito, o Retorno não é, na sua origem, um sonho da esfera política. Antes de tudo o mais que seja humano, é a expressão da vontade do próprio Deus. Porque o retorno dos judeus ao território de Israel é um assunto de Deus. Não é uma página da agenda política sionista, nem a estratégia de um grupo de fanáticos religiosos ortodoxos de Jerusalém. A Aliyah faz parte de um plano divino que envolve e continuará a envolver a Diáspora. A Bíblia é muito clara nesse sentido:
Portanto, assim diz o Senhor JEOVÁ: Agora, tornarei a trazer os cativos de Jacob. E me compadecerei de toda a casa de Israel; terei zelo pelo meu santo nome. E levarão sobre si a sua vergonha e toda a sua rebeldia com que se rebelaram contra mim, quando eles habitarem seguros na sua terra, sem haver quem os espante; quando eu os tornar a trazer de entre os povos, e os houver ajuntado das terras de seus inimigos, e for santificado neles aos olhos de muitas nações. (Ezequiel 39:25-27).

Como se vê no texto bíblico, é Deus quem se encarrega, e quem se continuará a encarregar de fazer voltar o Seu povo. Mas porquê tanto interesse em que o judeu volte àquela terra? A resposta em versão curta está associada ao conhecimento bíblico que nos permite afirmar que Israel ficará cada vez mais isolado no mundo: Deus conhece o futuro, conhece o interior do Homem, e vai revelar-se a Israel nos tempos finais, protegendo cada judeu e toda a nação. A imagem do judeu a viver em paz no mundo, é um quadro com cores que só existem na nossa imaginação mais fértil. Não passa de ficção. A Sociedade sempre se mostrou inábil a gerir cenários sensíveis onde o judeu esteja presente. A verdade é que o mundo sempre foi e ainda é um lugar cada vez mais inconsistente para o judeu.

A intolerância e o ódio, catalisadores vulgares da violência, são uma realidade diária para ele. Exemplos? Basta estar atento às notícias que chegam do mundo árabe, e que clamam abertamente “vamos varrer os judeus para o mar”, sem que se ouçam vozes de discordância ou de indignação. Basta dar atenção aos quadrantes mais “diplomáticos”, como o das Nações Unidas: veja-se o rigor – que não é igual para com outros membros – das inúmeras deliberações que fazem de Israel um alvo frequente, demonizando um país e um povo, ao fazer convergir sobre ele a desconfiança e a ira de todo o mundo. Da mesma forma, os meios de comunicação social são, muitas vezes, a ponta de uma lança constantemente cravada em Israel, e que, na prática, se traduz na manipulação da opinião pública através da muita desinformação veiculada de forma consciente e tendenciosa.


Paz, paz; quando não há paz
Sejamos claros, o perigo é real. Os argumentos que vigoraram no passado, e que aliciaram, envolveram e condicionaram as sociedades para consentir e tolerar a violência contra os judeus, não se esgotaram nos métodos, nem na forma, nem no conteúdo. A Inquisição não desapareceu, apenas mudou de nome (hoje chama-se “Congregação para a Doutrina da Fé” e o Cardeal Ratzinger, agora Papa Bento XVI, já esteve à frente dos seus destinos) [ver]. Ainda há bolsas nazis em hibernação, movimentos neo-nazis, um pouco por todo o mundo. Os pogroms apenas se tornaram improváveis, mas a vontade de muita gente em “riscá-los de entre as nações, e de não haver mais memória do nome de Israel” (Salmos 83:4) permanece inalterada hoje, como há milhares de anos atrás.

Auto-de-Fé em Espanha

Quem garante que esses fantasmas vão permanecer apenas como fantasmas? Pelo mundo fora, o discurso politicamente correcto de paz e tolerância preside apenas às intenções, mas não reina nas mentalidades, e muito menos está presente na hora da vingança. Que o diga Lara Logan, jornalista da CBS em serviço no Egipto, que, na praça Tahrir e no meio de 200 manifestantes, foi agredida sexualmente e de forma repetida, enquanto gritavam “Jew” (judia) como justificação para o acto. [ver] O conhecimento do Homem e da História podem facilmente antecipar as reacções geradas face ao judeu, e diz-nos que raramente são boas. Quando colocados perante o mínimo sinal de injustiça por parte de Israel (e elas por vezes existem, como em toda a parte), quando postos perante um deslize do judeu, sabemos que o politicamente incorrecto, a alienação animalesca sai do armário, para se mostrar ao mundo em toda o seu vigor e verdade mais violenta e sanguinária. Daí que o retorno ao território de Israel de todos os judeus espalhados pela face da terra seja para eles uma questão de segurança.

Muitos entenderão este cenário como improvável. Mas o certo é que Israel tende a ficar cada vez mais isolado na cena internacional, e ficá-lo-á a tal ponto, que até pelo seu aliado natural e histórico – os Estados Unidos da América – um dia será também abandonado. Felizmente que as acções de Deus e as páginas da Bíblia não estão em nada dependentes do veredicto do Homo Sapiens. Se Deus profetizou o regresso de Israel à terra de Israel, isso irá acontecer. Como muito bem disse Oswald Smith, “História é apenas profecia cumprida!”.

E o que diz essa profecia? Ezequiel não foi o único “a ver” o retorno a Israel dos filhos de Jacob, a Aliyah final. Também Jeremias, Amós ou Isaías viram e ouviram o mesmo apelo. Este último, por exemplo, cerca de setecentos anos antes de Jesus vir ao mundo, escreveu:
E acontecerá, naquele dia, que as nações perguntarão pela raiz de Jessé, posta por pendão dos povos, e o lugar do seu repouso será glorioso. Porque há-de acontecer, naquele dia, que o Senhor tornará a estender a mão para adquirir outra vez os resíduos do seu povo que restarem da Assíria, e do Egipto, e de Patros, e da Etiópia, e de Elão, e de Sinar, e de Hamate, e das ilhas do mar. E levantará um pendão entre as nações, e ajuntará os desterrados de Israel, e os dispersos de Judá congregará desde os quatro confins da terra. (Isaías 11:10-12).

Hoje, a Aliyah já é um facto indesmentível. Mas estão criadas as condições para um aumento maciço dos judeus que regressam à sua terra. E pelo facto de ser um assunto que depende do próprio Deus, a Aliyah do final dos tempos, a Aliyah final, não pode ser encarada apenas como uma probabilidade. Ela será uma realidade (!), na altura certa, nos lugares próprios, e incluirá todos aqueles a quem Deus incomodar. Se foi a disciplina divina quem expulsou os pais de Eretz Israel por causa da sua rebelião, será a misericórdia divina quem fará voltar todo o judeu que vive na Diáspora a essa mesma terra. Porque, a dívida que os pais contraíram, a dívida dos pecados antigos de Israel, já está paga. Chamou-se Diáspora! Deus nunca eterniza a disciplina que Ele mesmo inflige, e sabe em que medida usá-la. Faz a ferida, mas Ele mesmo a liga. Deus sabe qual o tempo certo para usar de misericórdia: Vinde e tornemos para o SENHOR, porque ele despedaçou e nos sarará, fez a ferida e a ligará (Oseias 6:1).


Estes são dias de Moisés
O calendário de Deus grita. Os dias de hoje não são “dias”, mas apenas “um dia” de carácter muito especial. Os dias de hoje são como o dia catorze de Nisã que a Bíblia retrata, a véspera da Páscoa (erev Pessach), a última noite que Israel passou no Egipto. São dias de Moisés. O Êxodo para a Terra de Israel, é hoje, agora! Disfarçado no ódio das guerras que grassam no Médio Oriente, disfarçado na política prevalecente de uma Nova Ordem Mundial – de que a Comunidade Europeia é um dos pivots – mas bem às claras no meio árabe, reflectindo anti-semitismo judaico e xenofobia, há um perigo muito similar ao Anjo Destruidor do Egipto, condicionado para exterminar. Não é seguro para o judeu da Diáspora viver fora do abrigo da sua casa. E a terra de Israel é o seu abrigo por excelência, como outrora foi, e como hoje é para os que lá vivem. A terra de Israel aguarda-o, como as casas que mostraram o sangue do cordeiro-protector nos umbrais das portas. É lá, e apenas lá que ele tem de se recolher.

“Sai-te da tua terra …” A ordem para sair da zona de conforto e enfrentar as palavras da profecia repete-se. As antigas promessas – que continuam vivas e suspensas no tempo – são reafirmadas. O seu cumprimento pleno está para breve, com a convergência total de factores que Deus controla. Todo o poder da profecia está ainda latente, como uma brasa que fumega.
Num dia de “HOJE” que já nasceu, e em que o Sol brilhará apenas até que as verdades de Deus se cumpram. Daí que, somente quando todo o judeu responder “Hineni” (eis-me aqui) ao apelo divino, e tiver voltado à terra de Abraão, os termos da chamada de Abraão estarão esgotados.
Então, saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus, vendo que eu os fiz ir em cativeiro entre as nações, e os tornei a ajuntar para voltarem à sua terra, e nenhum deles excluí. Nem esconderei mais a minha face deles, quando eu houver derramado o meu Espírito sobre a casa de Israel, diz o Senhor JEOVÁ. (Ezequiel 39:28-29).
“Nem uma unha ficará”, vociferou Moisés, ameaça e prometendo. Foi o brado final do homem mais manso sobre a face da terra (Números 12:3), a um Faraó que tentava, a todo o custo, impedir a revolta dos escravos hebreus. Moisés referia-se às unhas do gado que lhes pertencia. Queria dizer que as unhas dos bodes e das vacas significavam aquilo que os animais tinham de mais desprezível e de nenhum valor. Mas, firmado na força que lhe advinha de Deus determinou que nem mesmo esse nada os hebreus iriam deixar ficar para trás. E não deixaram, e não ficaram. Assim acontecerá novamente.
Sabemos bem que tudo aquilo que Deus declara, terá, infalivelmente o seu cumprimento. E quando Deus proclama de uma forma específica que “os tornei a ajuntar para voltarem à sua terra, e nenhum deles excluí…”, podemos estar certos de que todos os que Ele escolheu, voltarão para a terra de Israel. TODOS!

E…, como diria Moisés, se fosse vivo…, nem um cabelo ficará!!!.

Eduardo Fidalgo
A seguir, a conclusão: Em que podemos ajudar.